domingo, 13 de julho de 2014

Vexame contra a Alemanha deixa Brasil órfão do mito da Seleção

Humilhação na Copa exige uma atualização da imagem onipotente do futebol brasileiro


12/07/2014 | 16h01
Vexame contra a Alemanha deixa Brasil órfão do mito da Seleção Mateus Bruxel/Agencia RBS
Torcedores durante a Fan Fest no jogo entre Brasil e Alemanha, no dia 8Foto: Mateus Bruxel / Agencia RBS
Perder um jogo de futebol qualquer um perde, perder uma semifinal de Copa muitos já perderam. O que há de diverso no 7 a 1 sofrido pelo Brasil na última terça-feira é que, para além de perder um jogo por um escore que escancara a desproporção técnica entre os dois adversários, a Seleção perdeu uma mitologia.

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Nesse sentido, as comparações insistentes com a derrota de 1950 são superficiais e equivocadas. Naquela época, um Brasil tentando se afirmar sem grandes títulos internacionais foi devolvido à estaca zero. Agora, o Brasil se viu atingido em uma narrativa que foi construindo ao longo dos últimos 64 anos: o de superpotência da bola, país do futebol - o futebol transformado, como já escreveram muitos, no campo simbólico de um país que funciona.
É de Roberto DaMatta, no ensaio Antropologia do Óbvio, a formulação de que "o futebol proporciona à sociedade brasileira a experiência da igualdade e da justiça social". Entre outros motivos porque, governado por regras simples que todos conhecem, o futebol premia talento mais empenho em um jogo no qual as regras valem para todos.
O fato de que, nesse campo, o Brasil, desde o trauma de 1950, tenha se tornado potência inconteste sempre foi caro ao imaginário ligado ao esporte. Ao ponto de a imprensa mais crédula afirmar muitas vezes que a "mística da amarelinha", a camiseta vencedora de cinco copas - curiosamente adotada para "exorcizar" a malfadada camiseta branca com que a Seleção perdeu a final de 1950 - seria suficiente para garantir vitórias.
Pensamento mágico - que, como qualquer leitor de Freud lembrará, está ligado a uma visão infantil do mundo. Posta à prova diante de uma seleção eficiente, talentosa e organizada, a "amarelinha" fez água no mesmo tempo em que a Alemanha levou para abrir cinco gols de vantagem.
Esse escore dilatado da partida também representa um baque na narrativa mítica de um Brasil grande (no futebol, pessoal, no futebol) na medida em que é extremamente raro, no futebol cauteloso e de meio-campo congestionado de hoje, que uma goleada dessas seja aplicada entre seleções do mesmo nível, ainda mais entre duas das maiores vencedoras do torneio.
Como comenta José Miguel Wisnik em seu ensaio Veneno Remédio (Companhia das Letras, 2008), "ganhar remete ao imaginário (a sensação plena e fugaz da completude), perder remete ao real (à experiência de um corte que devolve ao sentimento da falta)". Depois de seis décadas construindo o imaginário de um país que vence, é hora de o Brasil abrir espaço em sua narrativa para esta goleada - e quem sabe, a partir dela, construir um novo mito, pois também faz parte deles a dureza da queda.

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